Não foi isso que eu sonhei.

•setembro 2, 2017 • Deixe um comentário

Outra noite qualquer, com nada pra fazer (conseqüência da vida de desempregada), assisti, depois de não sei quantos anos, Tela Quente. Um filme brasileiro, que confesso que nunca tinha ouvido falar: O filho Eterno.

A sinopse é mais ou menos assim: a história de um moço, que se torna pai e o filho nasce com Síndrome de Down. E ele, não consegue amar o filho. Ele não consegue criar laços com aquela criança que não era o que ele tinha planejado, que não era a sua expectativa quando tanto sonhou em ser pai. E o roteiro segue no drama dos anos mostrando tantas e tantas situações e o sofrimento desse pai.

Sem me alongar no filme (que vale assistir), me pegou um dialogo específico onde o pai, desesperado por não conseguir encontrar um meio de lidar com a situação, diz para a sua mulher: “ Não foi isso que eu sonhei! Não era isso que imaginei!”.

Opa! De repente o filme não era mais sobre síndrome de down, o filme era sobre expectativas. E parei pra pensar sobre expectativas e filhos.

Ter um filho é um desejo muito louco. É pensar que você ta colocando no mundo um pedacinho seu. É ser responsável por uma vida (pela vida inteira). É ser responsável por criar um ser humano para o mundo.

Dizer que quando pensamos sobre esse “grande feito”, não criamos expectativas, na minha opinião, seria uma grande mentira. Mesmo os menos sonhadores, mesmo os mais racionais, os mais emocionalmente resolvidos ou os mais desligados. Não tem como não ter expectativa.

É ter um filho. E isso é grande. E as expectativas também.

Ser mãe, ser pai, é muito foda. Dá trabalho, cansa, irrita, tira do sério, não te deixa dormir e tem dias que te faz querer fugir.

Claro que todo mundo sabe que no fim tudo compensa. O menor sorriso, a risada mais boba ou mais uma descoberta, e a gente já tá lá, se sentindo a pessoa mais feliz do mundo. Daquele jeito que o coração parece que esquenta.

Mas voltando a “tão grandiosa expectativa”.  Arrisco dizer que é ela mesma que tantas vezes faz a gente questionar se estamos mesmo fazendo certo? Ou melhor, se estamos errando?

Eu, sonhei ser mãe. Sonhei por muito tempo Não foi simples, não foi natural, não acontecia e virou uma longa jornada. Não conseguir engravidar me fez sonhar mais e mais sobre “esse filho” (que na época eu imaginava como filha). Depois veio a gravidez, a felicidade, os planos e a imaginação que voa.

Quem é pai ou mãe, não pode negar que nesses 9 meses, a gente sonha. A gente imagina os menores dos mais pequenos momentos. Quando a gente diz “ será que ele vai….?”, pronto! Já ta lá uma imagem criada na cabeça.

E me pegou mesmo, foi pensar exatamente na expectativa destes tão pequenos momentos, que são o dia a dia de verdade.

Eu imaginava meu filho amando musica. Claro, ia ser muito legal ele curtir algo que eu amo. E ele curte, mas é do jeito dele. Na hora dele. No tempo dele. E mesmo sabendo disso, me pego as vezes pensando que eu podia estar fazendo mais pra desenvolver isso nele. Porque acho que isso é “importante”. E por que? Porque mesmo ele gostando sim de musica, projetei lá atrás em algum momento que ele ia ser alucinado como eu.

Esse semestre, ele teve uma atividade na escola e aprendeu sobre a vida e as musicas do Lulu Santos. E descobri que ele tinha aprendido a cantar (inteirinha), “Como uma onda”. Não era mais nenhuma musica da Galinha Pintadinha, ou das eternas cantigas infantis. Era musica de verdade.                                                                                                           Coitado dele. Pedia pra ele cantar umas 3 vezes por dia. Pedia pra ele cantar pra cada pessoa que a gente encontrava. Entrava no carro e só colocava Lulu Santos. Tava lá, a “louca da musica”, querendo fazer aparecer “o louco da musica”.

Pequeno exemplo, de tantos que parei pra pensar no tal pai do filme, que não tinha sonhado com um filho com síndrome de down.

Em época de tantos movimentos que, em resumo, lutam para que a sociedade saiba respeitar e aceitar as pessoas como elas são, me pareceu válido dividir a reflexão.

Desde então, parei de, o tempo todo, colocar musica pro meu filho. Coloco musica pra mim, e ele me vê feliz. Agora ele, de vez em quando, pede pra eu colocar e quando aprende alguma nova diz que quer me ensinar porque sabe que eu “adoooro música”.

Isso, não é o que sonhei. É muito mais do que eu podia imaginar.

Parei de escolher a roupa que ele vai vestir pra ter tudo combinando (porque sempre achei o máximo essas crianças todas estilosinhas). Agora ele vai lá e escolhe o que ele chama de “a roupa mais linda”. Outro dia, foi um meião do Mengão, com uma bota tipo galocha azul, bermuda, camiseta, boné, óculos escuros e uma almofadinha que ele tem desde bebe pendurada no pescoço.

Nada do que sonhei. Olhei pra ele e pensei: “Caraca, meu filho ta style”. É muito mais do que eu podia imaginar.

Não é sobre deixar meu filho ser quem ele é. É sobre deixar ele descobrir quem ele é, e me mostrar.

Ele não é como eu sonhei. Ele está aprendendo a ser ele. E todo dia ele me mostra que é muito mais do que eu podia imaginar.

 

Os olhinhos de pirata.

•fevereiro 9, 2013 • Deixe um comentário

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Hoje nossa pequena Tonha virou uma estrelinha no céu.

Nossa, porque Maria Antonia alegrou muita gente, foi adotada por muita gente , teve muitas casas e sempre deu carinho a todos.

Só quem tem um cachorro pode entender o que é a dor de se despedir de companheiros tão especiais…Que simplesmente se doam e nos dão amor incondicional.

A Tonha, foi uma filha adotada de coração, que fez parte dessa família cachorreira por exatos 3 anos. Ela chegou no fim de um Carnaval, e se vai no começo de outro.

Pura doçura em um tamanho imenso. Carente, chorona, carinhosa, barulhenta e acima de tudo guerreira.

A casa ficou mais vazia….As noites serão mais silenciosas sem as patinhas elas batendo no chão ou o chorinho tímido de quem sempre queria carinho.

Se despedir de um cachorro é olhar nos seus olhos e pensar apenas na palavra gratidão.

Quanto carinho e rabos abanando ganhamos a toa e que fizeram tantos dias mais felizes. Quantos sorrisos que demos com alguma bagunça.

Não conheci a Maria Antonia pulando pela casa, mas conheci uma senhora calma e doce, com uma língua enorme que nunca chegou perto sem dar uma lambidona. A doçura do seu olhar comigo, com as outras cachorras que ela prontamente adotou como irmãs (ou talvez filhas), a carinha dela descendo do sofá quando eu descia a escada já sabendo que ia levar bronca.

Sou grata e ponto. Tive a chance de conhecer esse amor diferente. Tivemos muito mais tempo do que achei que teríamos. E hoje, dói por ter sido tão especial.

Nossa “matriarca vai descansar”, porque a doçura dela não combina com sofrimento.

O quintal aqui em casa ficou maior…e o espaço no meu coração também. Porque foi isso que ela me ensinou. Sempre tem espaço pra dar amor.

Obrigada por tudo minha princesa do olho de pirata.

A persistencia de persistir.

•novembro 28, 2011 • Deixe um comentário

 

E ai você  vê a vida ali…

E aí a gente acha que ela pode ser nossa. Acha que a gente controla, que a gente decide, que a gente define.

A gente suspira alto pensando nessa vida. Mas no fim ela nunca é como a gente pensa, nunca é do jeito que a imaginação pede.

Ela é torta, cheia de surpresas, uma bipolar em constante mudança.

E de tempos em tempos o nosso suspiro não tem outro rumo além de aceitar que nada ele pode … Seguimos apenas a suspirar.

Eu sempre me decido por suspirar. Na verdade, acho que há muito tempo decidi por me entregar. Ahhh tá Sra. Vida, é isso que você tem pra me dar. Então ta que eu não vou reclamar.

Uma amiga minha sempre diz. Dos limões não temos que fazer uma limonada, temos que fazer Mohitos. Acho que Mohitos nem levam limão… Mas o conceito é o mesmo. A escolha é aceitar e seguir, fazendo o seguir ser inesquecível (como muitos Mohitos são), ou se lamuriar.

Eu não gosto de lamurias. Sempre achei que não combinam comigo. Aliás, nem combinam com essa tal vida louca que muda toda hora.

E assim vamos…seguimos em frente. Mas não deixamos de perseguir e tentar “enganar” o que a vida decide. A gente insiste, a gente corre atrás e eu tenho a persistência de ser persistente.

Aceito toda essa vida mas vivo na malandragem de querer enganá-la. Tenho meus planos secretos cheios de vontade, e as vezes até convicção que uma hora pode ser como eu quero.

As vezes é melhor, mas ainda não é …

Do meu jeito ou do jeito dela continuo sabendo que tudo sempre muda e que pode ser melhor.

To esperando…continuo e vou continuar.

Prefiro escolher ser a louca sonhadora. Choro tudo em um dia, choro mais ainda em uma hora…Mas amanhã acordo sorrindo esperando os planos dela…

E os meus….

32 anos…E feliz!

•abril 14, 2011 • Deixe um comentário

E cheguei aos 32 anos.

To achando essa idade engraçada. Não sei porque nunca pensei nesse número. Pensei em 18, 25, 30….mas 32…Não, nunca pensei.

Falei algumas vezes que estava incomodada pelos 32. Mas descobri que não é pela força da idade. É porque para mim, é um ano “desprogramado”. Simplesmente não sei o que pode ou não acontecer. Isso pra mim é estranho. Se não estranho, pelo menos novo.

Cheguei aos 32 anos sem minha mãe. Parece que agora começou de fato essa sensação.  Fica difícil programar ou esperar qualquer coisa quando parece que arrancaram um pedaço da gente. Parece não. Falta mesmo um pedaço.

Então, tudo é novo. Tudo é inesperado. Começa uma nova parte da minha vida, onde tenho que me encaixar em um novo eixo. Sim, porque saí do meu eixo.  Aprender a viver o dia a dia sem uma mãe, é tentar achar um novo equilíbrio…

E no fim, desse dia 13 de abril de 2011,  me sinto feliz! Sinto muita saudade, mas me sinto feliz por tudo que construí nesse tempo.

Foram 32 telefonemas, 12 mensagens de texto, e 100 mensagens no Facebook.

Como posso não me sentir feliz???

Pra que querer um ano “programado”?

Ta tudo ótimo.  E agradeço…

A cada amigo, a cada amiga, a cada nova amizade, a cada irmã e irmãos que a vida me deu, a cada amizade antiga e `aquelas que ainda nem viraram amizade. A toda a minha família, ao meu amor…

Vocês fizeram meu dia especial. Tiraram o tabu desse 32 tão inesperado. Só me fizeram sorrir…

E se chorei de saudade, não deixou de ser felicidade…

Um Natal de AMOR… Todos os dias de AMOR.

•dezembro 25, 2010 • Deixe um comentário

Meu desejo de Natal aos meus amigos??

Que não seja apenas o Natal um momento para reflexões e quando bate aquela vontade de rever o ano e estar perto dos que amamos.
Que essa energia de Natal fique presente sempre. Que todos possam todos os dias ver tudo de bom que há em volta e dizer tudo que há para ser dito.
Que os abraços, os desejos, o amor (e por que não os presentes), não fiquem restritos apenas a noite de Natal. Que nos acompanhem sempre.

Abracem bem apertado todos os que amamos (sempre!), digam eu te amo sem restrições. O Natal é cristão, mas eu acredito que não importa a religião… Ser cristão no fundo, para mim, se resume a AMAR! E o amor pede a urgência do hoje. Diga e diga muito: eu te amo…

Este ano amei mais um pouco cada um de vocês. Reafirmei o que acredito: meus amigos são minha família. Agradeço de novo e mais uma vez por te-los ao meu lado. Cada carinho, cada palavra, cada companhia, todos os almoços, as bebedeiras, as baladas, os facebooks, os msns, os sms, os happy hours, os churrascos, os frozens… TUDO! Foi bom demais e me fez um pouco mais feliz. Sou privilegiada! Cada um sabe o quanto agradeço e o quanto darei meu carinho, amor e amizade. Sempre!
Um Lindo Natal de Amor para todos! Obrigado de coração por terem feito o ano mais difícil da minha vida ser, ainda assim, FELIZ!

As panquecas que me fazem sorrir!

•dezembro 23, 2010 • 1 Comentário

Hoje quis escrever….Não para mim…Quis escrever porque tive a sensação que assim poderia conversar mais de perto com você.

Como sinto falta de falar com você. Essa semana, por duas vezes, peguei o telefone para te ligar. Tanta coisa que queria te contar, tanta coisa de você que eu queria ouvir,

Será que eu disse tudo que eu tinha pra dizer? Será que você entendeu? Queria ter deixado mais claro… Repetido mil vezes sua importância na minha vida. Sido menos boba em tantas vezes que reclamei da sua preocupação…Ter entendido tanto amor.

Mas quero te dizer que o teu amor está aqui. Vive em mim mais presente que nunca. Mas que não há um minuto do dia que eu não tenha um buraco no meu peito. Não um dia que eu consiga segurar uma lágrima quando ouço uma música no rádio. Ahhh a música. Parte tão presente da nossa vida. Como eu poderia esquecer quantos domingos acordei com você feliz e a música tocando? Os domingos que fazíamos café da manhã como em restaurante. As panquecas…

As panquecas, e tantas outras coisas não vão perder a graça. jamais! Elas são você aqui. São lágrimas de saudade que dói, mas também conforta. Saudade de tudo de tão bom que você me deu. Como sou agradecida, como sou feliz, como gosto de pensar e lembrar de tudo. Parece que vou ouvir sua voz. Parece que vejo sua mão. Sempre gostei de segurar tua mão. Acho que nem eu sabia a diferença que só esse gesto fazia na minha vida – Segurança. Me sentia tão segura.

Ver tudo que você deixou pra mim faz eu seguir com essa segurança. A certeza de saber que nunca vou soltar sua mão e você não soltará a minha. Te conheci tão bem nos últimos anos que as vezes te peço conselhos, te faço perguntas, e sei o que você iria responder.

Acho que eu quis escrever pra dizer obrigada. É o que mais penso. É o que mais queria dizer e repetir todos os dias. Tua falta dói, mas toda a herança que tenho me faz seguir, me faz querer mais, me faz lutar e querer ser alguém melhor. Você me fez assim, e me orgulho de ser quem eu sou. Você com tanta música me fez ver graça em panquecas, me fez ser feliz simplesmente pela escolha de ser feliz.

Nesse fim de ano me esforçarei para sorrir, pala pular 7 ondas e jogar flores para Iemanjá como fazíamos. Mas jogarei uma flor a mais. Uma flor para você. e acordarei em 2011 e começarei meu ano comendo panquecas. E ainda que uma ou duas lágrimas não se contenham, sorrirei ouvindo uma música qualquer , simplesmente porque tenho você como mãe….e sempre terei…

Minha solidão a só!

•agosto 6, 2009 • Deixe um comentário

E eu que tanto amo….Sempre amei.

Eu posso dizer que nem todo o amor do mundo é capaz de nos preencher sempre. Não é! Agressiva….mas me parece a realidade mais nua e crua.

Nem quem mais nos conhece está nos nossos pensamentos, não compreende por total nenhum sentimento. Porque só nós mesmo é que a todo tempo sabemos; sabemos de cada pensamento, de cada palpitação, de cada suspiro, dos mais reservados segredos.

Pensando nisso, em momentos de extremos (seja a felicidade ou a tristeza), posso dizer que sinto solidão. Me sinto eu, comigo e 100% só! E quem poderia entender de tudo e de tanto tumulto que passa pela minha cabeça?

É tudo misturado e só mesmo eu nessa solidão pra ser meu acalanto.

Hoje, junto minhas duas mãos, dou a mim um abraço, tomo um banho demorado, me encolho quieta na cama. Preciso muito de mim…Preciso aprender essa solidão que é tão real. Preciso entender que nem sempre tudo me basta.

Que esse tempo passe…

•agosto 1, 2009 • Deixe um comentário

Queria escrever apenas para desabafar…Para tirar de dentro de mim essa angústia…Um desespero que chega a conter minhas lágrimas.

As vezes acho que se eu não chorar, as coisas parecerão menos tristes. Mas nada disso alegra meu coração.

 

Que enredo cruel: não consigo ser mãe e meu maior medo no mundo hoje é perder a minha mãe. Tudo tão ligado e tudo tão oscilante.

Como pensar em ser mãe sem ter a minha?

Que incompetência (e não posso negar que é essa a sensação) eu não consigo mudar nenhum dos fatos.

 

E aí está tudo entregue ao mundo, a um Deus que hoje me custa entender. Com planos traçados que cabe a nós, totais impotentes, apenas aguardar.

Então mais que nunca é hora de viver?

Viver como? Seguir como? Sorrir como?

É viver a iminência da perda. De mais uma ou outra desilusão.

 

Constante pensamento meu.

 

Que quero afastar. Que quero evitar. Mas o vazio vem e vai a cada minuto.

 

Minha mãe tem câncer. Ironicamente a doença que me desarmou e me fez conhecer e construir uma relação de mãe e filha como nunca tivemos antes. Cumplicidade, respeito, compreensão e acima de tudo muito amor.

Há pouco mais de 1 ano tudo isso começou. E no princípio confesso que achamos que era mais fácil do que parecia. Acreditamos já em dezembro, 6 meses depois, que tudo já havia passado. Era legítimo acreditarmos. Afinal, era merecimento de quem soube enfrentar tanto sofrimento com tanta garra e com a cabeça erguida e sorrindo.

 

Mas em poucos meses, descobrimos que havia mais. Que essa luta injusta não tinha acabado.

 

E agora aqui estamos. Prestes a enfrentar de novo uma mesa de cirurgia, novamente sem saber nada do que pode dar certo ou errado.

É um turbilhão de pensamentos que a gente não consegue evitar e que a cada dia parecem mais amedrontadores.

 

Mulher forte, incrível, cheia de fé que é capaz de consolar no momento onde mais precisa ser consolada. Surpreendente!

 

Então preciso ser melhor. Afastar esse desânimo. Honrar essa mãe que tenho e seguir forte. Encontrar uma fé e acreditar. Ouvir a frase “blasé” que ecoa ao meu redor: tudo tem seu tempo…

Que esse tempo cure, que esse tempo fortaleça…Que esse tempo acabe….

Eu e meu pinguin na geladeira

•dezembro 3, 2008 • Deixe um comentário

Nada de mergulhos. É na superfície
que o real, minúsculo plâncton, se trai.
Sentidos, sentimentos e outros moluscos
 
não passam pela finíssima peneira
do funcional. E o sofrimento, ai,
esse nefando pingüim de louça
 
sobre o que deveria ser, na quiti-
nete do eu, uma austera geladeira…
 
Que ninguém nos ouça: guarda esse escafandro, meu
filho. Só o raso é cool. A dor é kitsch.

Autor desconhecido


 

Eu jogo frescobol!!

•maio 21, 2008 • 1 Comentário

Hoje recebi um daqueles textos que vale a pena parar para ler.

A gente não percebe no dia-a-dia as sutis diferenças e metáforas para encarar uma vida leve!!! E vc?? Joga que jogo?

Tennis X Frescobol

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?\’ Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.’

Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra – é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te amo…’ Barthes advertia: ‘Passada a primeira confissão, ‘eu te amo\’ não quer dizer mais nada.’ É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: ‘Erótica é a alma.’

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir… E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos…

A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá…

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Camus anotava no seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos Primeiros cadernos, é sobre este jogo de tênis:
‘Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de brilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce o ódio. Exemplo: com um sorriso: ‘Não se faça mais estúpido do que é, meu amigo\’. A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima-se dela, beija-lhe a mão suspirando: ‘Tens razão, minha querida\’. A situação está salva e o ódio vai aumentando.’

Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão… O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor… Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim…(O retorno e terno, p. 51.)